10 de junho de 2015

O fado de ser português



Ser português é pedir um ramo de salsa ao vizinho e ficar lá meia hora a conversar. Ser português é falar alto na rua e nos restaurantes sem notar. Ser Português é ter o melhor jogador de futebol do mundo e não gostar muito dele até vir alguém de fora criticar. Ser português é ter na guelra o sangue quente arrefecido por uma ditadura. Ser português é revoltarmo-nos quando ouvimos alguém dizer que o que faz falta é um Salazar. Ser português é ainda haver gente que acha que a ditadura não foi assim tão má. Ser português é ter poesia de revolução e fazê-la sem violência e de cravo na mão. Ser português é comer chouriço assado na lareira com mais prazer do que ir ao restaurante gourmet. Ser português é revoltarmo-nos quando nos dizem que o limite passa de 0,5 para 0,2, porque ser português é beber vinho, cerveja e aguardente. É estar na esplanada a ver a bola à beira mar plantados. Ser português é ter orgulho em sê-lo mesmo quando se diz o contrário. É ir lá fora e falar de fado, da comida, da praia, de tudo o que nos orgulhamos quando temos saudades. Ser português é ter saudades. É ter saudades do sol, das sopas da avó, dos cafés e cigarros na esplanada com os amigos. Ser português é ter saudades e não esquecer. 


É ser nostálgico mas ter amnésia selectiva de 4 em 4 anos e queixar-se que está tudo na mesma e que a culpa é de quem está no poder.

Ser português é improvisar. É encontrar caminho sem perguntar. Ser português é pedir indicações e ter logo a ajuda de vários estranhos. Ser português é tentar a borla seja do que for. Ser português é oferecer só porque se simpatizou com alguém. É dizer "aparece lá em casa", "vamos almoçar para a semana" mesmo quando sabemos que provavelmente nunca mais nos vamos ver. Ser português é ter os melhores lá fora porque é lá fora que se faz o melhor. É ter emigrantes forçados, empurrados e sem querer. Ser português é ter o mar no horizonte e nunca olhar para terra, é seguir em frente até o mar acabar, é descobrir e sonhar. É ser obrigado a inventar. Ser português é conquistar, é ter um primeiro rei que deu porrada na mãe, é dizer não e expulsar os mouros e os espanhóis. Ser português é esquecer. É achar que se tem uma bela história embora não saibamos metade dela. É ninguém lá fora querer saber da nossa memória. Viriato, Camões e a Padeira, todos por razões diferentes enalteceram a bandeira. Ser português é ser de uma terra de poetas, descobridores e inventores, uma história repleta de sangue, de revolução e de grandes amores. É sofrer qual Pedro e Inês, de coração na boca e traças na barriga, sofrer por amor em segredo. Ser português é toda a gente ver a casa dos segredos em segredo. 


Ser português é achar que ser advogado ou doutor é melhor do que ser pasteleiro ou agricultor mas gostar mais de bolos e batatas do que tribunais e hospitais. 

Ser português é dizer bom dia ao vizinho, é dizer bom dia no café, é dizer olá como está ao carteiro, é dizer bem obrigado no elevador. Ser português é dizer vai-se andando, para a frente, nunca para trás. É a vida, nunca pior. Ser português é ser pessimista quando as coisas estão boas mas optimista quando estão más. Ser português é ser-se humano e por isso ser-se incoerente. É ter poetas nas gentes, é ter Antónios Aleixos semi-analfabetos mas que sabem mais que doutores. É ter bêbedos e drogados no génio de Pessoa. É tudo valer a pena porque a nossa alma não é pequena. Ser português é ter a alma grande mas não ter dinheiro para a manter. Ser português é pedir crédito para o plasma e LCD, para as férias no Brasil e depois ficar sem comer. Ser português é acreditar em tudo o que passa na TV. Ser português é duvidar de tudo o que se lê a não ser quando se lêem notícias nos jornais da bola. Ser português é dizer que se tem como escritor favorito Saramago, mesmo sem nunca se ter lido um livro dele.

Ser português é ser de brandos e bons costumes até ver. Ser português é andar à porrada por causa de futebol ou lugares de estacionamento. Ser português é acelerar e ficar chateado se se é multado. É não pagar estacionamento e achar que o gajo da EMEL é que é um atrasado. Ser português é saber as leis e saber que podem ser ignoradas. Ser português é eleger sempre os mesmos filhos da puta. Ser português é ser revoltado. É dizer asneiras e ensiná-las aos estrangeiros de sorriso rasgado. Ser português é esquecer a semana no sábado e sofrer por antecedência no domingo. Ser português é chegar ao trabalho na segunda e falar da bola. Ser português é ser descarado. É dizer à gaja boa do trabalho que temos que ir beber um copo a qualquer lado. Ser português é seduzir sem medo do resultado. É ter lata de cerveja na mão e na outra contar os trocos para mais uma rodada.


Se português é ter Zeca Afonso e Grândola Vila Morena. Ser português é pensar que o povo já não ordena e já nem há fraternidade. É contentar-se com o sistema que nos ordenha e nos dá a pastar futilidade.

Ser português é sentir orgulho na garganta mesmo com a pressão do nó de forca que nos traçaram. Ser português é apertar o cinto mas andar de rego à mostra, com a tanga com que nos deixaram. Ser português é dizer mal mas ai de quem diga mal e não seja português. Ser português é não ser patriótico mas sentir os olhos aguados ao ouvir o hino. É dizer que é o mais bonito de todos. É meter uma bandeira na janela e deixar a porta aberta a quem quiser entrar. Ser português é gritar com a selecção mesmo sem nunca se ter ganho nada, só pelo orgulho de se ser de Portugal. É ter ex primeiros ministros em prisão preventiva e ninguém ficar admirado. Ser português é votar novamente em corruptos condenados. É confiar o país a quem não quer saber dele, só quer saber de si. Ser português é fugir aos impostos, porque é cada um por si e todos fazem o mesmo. Se português é ajudar. Ajudar a trocar um pneu, ajudar um colega de escola a copiar ou uma velha a atravessar. Ser português é ter Amália na voz mas ter medo de cantar alto pelo que os outros possam pensar. É comer sardinha no pão, chorar com o fado e rir com o pimba. É dançar nos bailaricos, porque quem dança seus males espanta e nós bem os precisamos de espantar.

Ser português é escrever este texto à pressa porque estão à minha espera em algum lado. Ser português é chegar atrasado mas de peito levantado e mesmo achando que o patriotismo é uma treta dizer-se com orgulho que se é de Portugal e ficar ofendido quando pensam que é uma província de Espanha. Isso é que não! É Portugal, caralho! Um paraíso mal gerido e governado, mas com o mar como tapete de entrada e sol a entrar pela peneira furada, que nos aquece o corpo e a alma e que esperamos que não nos dê melanoma. E se der, vamos à praia ao meio dia na mesma, de protector, geleira e cinco chapéus de sol porque ser português é ser desenrascado.

Podemos não ter a organização dos Suíços, o rigor dos alemães, a limpeza dos austríacos, a pontualidade dos britânicos, a meticulosidade dos franceses, o orgulho dos espanhóis ou a riqueza dos escandinavos, mas que somos um povo muito mais simpático e caloroso que esta cambada toda disso não tenho dúvidas. E ser português é isso.




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