3 de junho de 2015

Campanha contra o sofrimento dos caracóis



Então ontem uma associação promoveu uma campanha contra o sofrimento dos caracóis afirmando que estes serem cozidos vivos é uma barbaridade pois eles sentem dor e possuem inclusivamente sentimentos? Está giro. Vamos lá então falar sobre isso.

Primeiro que tudo o que é a dor? A dor, ao contrário do que muitos pensam, não é uma reacção a um estímulo físico, é uma interpretação emocional de sinais provenientes da nocicepção. Por acaso desta vez não fui à wikipedia, sou um gajo que vê bastantes documentários, especialmente quando vou à janela e observo os comportamentos da fauna local à Buraca. Como tal, um ser ter sistema nervoso que identifica esses sinais, pode ser apenas um mecanismo de selecção natural para identificar o perigo e não significar que ele sente "dor" subjectiva como nós a interpretamos, especialmente quando estamos a falar de invertebrados. Por exemplo, já foi comprovado em laboratório que a maioria dos insectos não sente qualquer tipo de dor. A ciência está em constante evolução e para já o que sabemos é isto.

Até podemos vir a descobrir que as centopeias têm pensamentos depressivos e que só não cortam os pulsos porque lhes dava muito trabalho, ou até que em cada planta de absinto há um Fernando Pessoa.

A provar-se o contrário, obviamente que estes senhores da manifestação têm razão e que cozinhar um caracol vivo, enquanto ele se contorce de dor, angústia e chama pela caracoleta mãe é de uma atrocidade inimaginável! No entanto e para efeitos cómicos vamos partir do princípio que não, até porque é o mais provável.

Eu não tenho problema que as pessoas se manifestem pelo que acreditam, até valorizo e dou-lhes a minha força, desde que não acreditem em touradas, por exemplo. O que eles têm que perceber é que vir para a rua fazer gritos de guerra a favor da libertação e direitos dos caracóis é inevitavelmente engraçado e alvo de gozo. Parece tirado de um sketch de humor. O meu único problema é que este tipo de protesto e feito desta forma, descredibiliza todos os outros que são feitos pelos direitos dos animais, mesmo os feitos a favor do veganismo que muitas vezes também roçam a parvoíce. Querem alertar para o flagelo dos caracóis? Ok, então façam-no com base em factos, na ciência e não em fotografias e cartazes que só sensibilizam a cortex de tanto que dão vontade de rir. Percebam que as pessoas que cozinham caracóis vivos não o fazem a pensar que eles estão a sofrer mas sim porque acham que eles não sofrem. Aposto que se provarem à Dona Custódia da tasca da minha praceta que para além da ranhoca há ali lágrimas a serem segregadas e que os bichos estão numa aflição de quem se entalou na braguilha enquanto pisou uma peça de lego, ela tira logo o sinal de "À caracóis" da porta ou pelo menos começa a matá-los sem requintes de malvadez antes de os colocar na panela. Ninguém cozinha um leitão vivo porquê? Porque sabemos que eles sofrem e são seres sencientes! Claro que também porque seria uma chinfrineira que os vizinhos iam pensar que se tinha efectuado um coito anal de surpresa a alguém com hemorróidas prolapsadas. Querem mudar mentalidades então apresentem factos, não comparem um caracol a ser cozido vivo com uma pessoa, porque quer queiramos quer não, não somos iguais e não sofremos e sentimos da mesma forma. Por isso e só por isso é que este protesto é palerma.

O que me faz mais confusão é preocuparem-se com isto e não com os sem-abrigo! Quando digo sem-abrigo estou a falar obviamente das lesmas e lagartas que não têm a sorte de ter casa como os caracóis.

E as minhocas usadas como isco vivo para pescar? A essas espetam-lhe um anzol no rego das nalgas lambisgoias e ainda as levam ao engano a pensar que vão fazer bungee jumping! Quando dão por ela estão ali, penduradas, expostas e ainda sujeitas ao ridículo de nenhum peixe as querer papar. Como se ficarão elas a sentir assim rejeitadas? Vão para casa e tornam-se anorécticas e sem auto estima. Todas as minhocas são bonitas, não ao preconceito! Quando se é radical e extremista cai-se no ridículo e sobretudo na incoerência. Sim, estes senhores estão preocupados com os caracóis mas depois pegam no carro sem problema e atropelam meia centena de mosquitos a ir para casa. Para não falar dos caracóis que esmagam no asfalto, apenas porque querem ir para certo sítio sem abdicar do conforto e conveniência do seu veículo já para não falar da quantidade de ácaros que matam por sucção quando aspiram a casa.

Como já aqui escrevi, eu sou vegan não praticante, uma expressão que a meu ver é muito bem metida. Concordo com os ideais, admiro quem o faz pelas razões correctas e sem se achar moralmente superior aos outros mas para mim, pelo menos por agora, não dá. Se os animais forem criados com qualidade de vida e abatidos sem sofrimento não me choca porque acho que é a cadeia alimentar e não há (quase) mal nenhum nisso. Bem sei que muitos deverão sofrer nos matadouros e é aí que admito a minha hipocrisia que opta por não pensar nisso, tal como optamos por não pensar em tantas outras coisas que fazemos e que contribuem para que o mundo continue desigual, sempre com os mesmos na merda. Racionalizamos e compartimentamos as nossas preocupações, caso contrário ninguém tomava banho só de pensar nas crianças que morrem todos os dias por falta de água potável, causa que representa 1/5 das mortes mundiais de crianças com menos de 5 anos. Agora que vos esfreguei isto na cara, da próxima vez que lavarem os dentes ou demorarem mais 10 minutos no banho porque se estavam a rapar por baixo, espero que pensem nisso e vertam algumas lágrimas. Com isto não estou a ir pelo caminho do "Com tantas coisas más a acontecer no mundo vão-se logo preocupar com os caracóis!", porque acho que as pessoas podem lutar por várias causas. Se formos a pensar assim ninguém luta por nada, porque há sempre alguma coisa pior no mundo. Só estou a dizer que a causa dos caracóis se calhar não é a melhor para credibilizar a causa animal.

Eu sou pelos animais, gosto imenso deles todos menos de aranhas. Sou contra as touradas, os circos com animais e se visse alguém a abandonar um cão acho que provavelmente estaria preso no dia seguinte por homicídio à base da chapada na moleirinha. O problema é que também gosto deles no prato mas não é porque não me importe que sofram, é apenas e só porque não penso nisso nessa altura. Isso faz de mim má pessoa? Talvez. Mas quem não é? Ah e é verdade, já me esquecia de dizer: Eu não gosto de comer caracóis! São nojentos! Espero que se eles lerem isto não se sintam ofendidos.




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