Dar gorjeta é uma parvoíce. Pelo menos em Portugal onde ninguém ganha baseado em gorjetas que eu saiba. Nos Estados Unidos o empregado tira o ordenado das gorjetas, por isso faz mais sentido que se dê. Não faz sentido que seja assim a meu ver, mas sendo, faz sentido que se dê, se o serviço foi bom. Mas e aqui porque damos gorjeta? Bem, a maioria das pessoas dá para não parecer forreta. Muita gente dá gorjeta e ganha menos do que a pessoa a quem está a dar o incentivo monetário pelo bom serviço, que no fundo não foi mais do que fazer o trabalho para que o contrataram. Dar gorjeta é dar desculpa aos patrões para pagarem menos. Eu quase nunca dou gorjeta. Quando dou é porque não me apetece estar à espera do troco e são só 20 cêntimos, ou quando o empregado fez alguma coisa fora do seu âmbito de trabalho. Também dou gorjeta no táxi se estiver já meio alcoolizado. Sou um mãos largas quando estou bêbedo e o taxista mereceu os 50 cêntimos por me ter aturado na discussão filosófica do Cais do Sodré até à Buraca.
Nunca ninguém se virou para mim e disse "Sr. Engenheiro, aqui está uma gorjeta por ter sido tão espectacular!". E eu às vezes bem que mereci... nem que fosse pelas horas extras. Mas isso é outra conversa. Por isso, acho que dar gorjeta é descriminar, porque só se dá gorjeta a trabalhos que consideramos inferiores, ou pelo menos, mal pagos. E isso é mentira. Hoje em dia um canalizador, um electricista ou um taxista por conta própria ganham mais que muitos médicos, engenheiros e advogados.
Depois há aqueles empregados que têm técnicas para conseguir a gorjeta. A primeira de todas é demorar a trazer o troco. A segunda é trazer o troco no maior número possível de moedas pequenas. A terceira e mais irritante é serem demasiado demasiado simpáticos? "Está tudo do seu agrado?", "Precisa de mais alguma coisa?" 5 vezes durante o jantar com um sorriso forçado na cara. Deve haver desses genuínos mas a maioria é caça à gorjeta e isso acho que ainda é pior do que os que não são simpáticos.
Há ainda uma outra técnica refinada de obter a gorjeta à força que é colocar na conta as entradas (ou couverts, como se diz em mariquês) todas possíveis e imaginárias que vieram para a mesa e ninguém tocou, ou que nem chegaram a vir. Uma vez, num restaurante do Bairro Alto veio na conta uma entrada de presunto, de 5€, que nunca a vimos ou cheirámos. Quando eu perguntei o que era aquilo o empregado disse-me:
"Ai não pediram? É que toda a gente pede então pomos sempre na conta e se o cliente não tiver pedido diz para retirar"
Isto é verídico! O tentar fazer de mim burro foi ainda pior do que o tentar levar-me 5€ à socapa. Gerou-se uma discussão bem gira depois disso e nunca mais lá fui. Por isso e porque a comida era uma merda.
Há outra história gira, que calculo que seja única no mundo. Num aniversário meu, num restaurante onde vou regularmente perto de minha casa, depois de comermos e bebermos que nem um porco temperado em vinha de alhos, o senhor pede 11€ por cabeça, salvo seja. É daqueles que olha para a mesa diz "Bem 9 x 3, fora 8, coiso e tal". Não há cá facturinhas maricas para ninguém. 11€ pareceu-nos pouco por tudo e então sugerimos pagar 15€. O senhor não aceitou e chegámos ao meio termo de 13€. Foi a primeira vez que o cliente regateou para cima. Mas era o mais justo.
Se eu tivesse um trabalho em que se recebe gorjetas iria pensar de forma diferente provavelmente. Mas não tenho. Por isso deixem lá as gorjetas e dêem a quem precisa mais delas. Bem basta as gorjetas chorudas que damos aos políticos, disfarçadas de ajudas de custo e aos gestores públicos como prémios de produtividade.
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