27 de janeiro de 2014

Também há velhos idiotas



Já aqui falei sobre a 3ª idade e de como não acho que se devam respeitar pessoas mais velhas só pelo facto de serem mais velhas, mas sim se forem ou não boas pessoas. Um idiota de 30 anos será, muito provavelmente, um idiota de 80. Podem ler ou reler esse belo texto clicando aquiComo prometido nesse texto, conto-vos aqui uma história verídica com pessoas de idade, que envolve tentativa de esfaqueamento e também cocó. O ano decorrido era mil nove e quarenta e oito. Mentira, foi há dois anos. A história é um pouco longa mas vale a pena. Muito provavelmente é caso único no mundo.

Tudo começou com um telefonema: "Olha queres ir acertar o passo a um senhor de 70 e poucos anos?". Não é um telefonema que eu receba muitas vezes, entenda-se, e por isso prendeu a minha atenção. Então entre algumas explicações, lá fiquei a saber que um senhor de idade tinha agredido a irmã de um amigo meu, na casa dos 30 anos, no estacionamento do Pingo Doce (não me lembro qual, mas também não interessa). Ao que parece a irmã desse meu amigo estacionou e vem uma velha por-se a frente do carro a dizer que o lugar estava reservado. A irmã ignorou a velha e estacionou na mesma ao que a senhora começa a gritar que ela a estava a tentar atropelar. Nisto vem o senhor, sai do carro e começa a gritar na cara da irmã do meu amigo, dizendo que o lugar era dele e que ela tentara atropelar a mulher dele. Conversa puxa conversa e o senhor não vai de modas e soca a rapariga no peito fazendo que com ela caia para trás, para dentro do carro e comece a chorar o filho pequeno que estava na cadeirinha no banco de trás. Um pandam como mandam as leis. Um regabofe do melhor. Ela sacou a matrícula do carro e com um ou dois telefonemas lá se conseguiu a morada do homem. Legal? Nem por isso. Mas às vezes tem que ser.

Esta história convenceu-me. "Vamos lá acertar o passo ao senhor, mas ainda vamos é levar um tiro que esses velhos gostam de ter caçadeiras em casa" disse eu. Mas fomos na mesma. É de notar que nenhum de nós ia com intenção de agredir ninguém, apenas de conversar com o senhor e obter um pedido de desculpas, mas acima de tudo porque somos parvos e não tínhamos nada para fazer nessa tarde. Então lá fui, eu, esse meu amigo e outro amigo nosso.

Lá nos metemos no carro e fomos cantando alegremente durante a viagem a música do Dartacão, só para entrar na personagem. Chegando à porta de casa do senhor, uma zona pacata, de moradias e vivendas, batemos à porta. Nisto abre um senhor, que correspondia à fotografia (mais uma vez, a legalidade deste processo é questionável). Pergunta o meu amigo João, irmão da vítima:
- É o senhor Alfredo Manivelas?
- Sou sim senhor! - Diz ele com orgulho e de peito cheio.
Nisto eu e o Manuel aparecemos, estávamos convenientemente afastados para o homem não ter receio de abrir a porta. O senhor olhou-nos normalmente nem imaginando que lhe estavam a bater à porta para cobrar o que ele tinha feito há apenas umas horas atrás.
- O senhor esta manhã teve uma atitude um pouco questionável. Importa-se de me dizer o que se passou? - Disse o João.
- Eu? Ó meus amigos, isto é alguma brincadeira ou quê?
- Não, estou a falar muito a sério. O senhor agrediu uma senhora hoje no parque de estacionamento do pingo doce.
- Eu? Essa parva? Eu não fiz nada, ela é me faltou ao respeito!
- Essa parva é minha irmã senhor Alfredo, e ela diz que você a agrediu e como deve compreender eu confio nela.
- Bem já não estou a gostar desta conversa, diz ele enquanto tenta fechar a porta.
Nisto o Manuel trava-lhe a porta com o pé e diz:
- Alfredo, esta porta já não fechas! - Com isto tinham sido claramente assumidos os papéis de bom e mau polícia, a mim restava-me o polícia mais ou menos.

A conversa começa a subir de tom, a mulher vem à porta e começa aos gritos, a vizinhança vem toda cá fora a ver o que se passa. O Manuel começa a mandar fumo do cigarro para a cara do Alfredo e começam as altercações verbais parte a parte, com o João a tentar acalmar e eu a dizer:
- Senhor Alfredo, todos nos exaltamos às vezes, acontece! Só queremos que peça desculpa. Só isso. Que admita e peça desculpa. Estar a mentir só vai piorar a situação porque é estar a faltar duplamente ao respeito à irmã do meu amigo.

- Essa gente é uma merda! - Grita um dos vizinhos. O que nos deu ainda mais certeza que aquele velho merecia pouco respeito da nossa parte.

Nisto o velho vai lá para dentro. Era claro que ia buscar alguma coisa. Eu temi que viesse de lá a caçadeira que tinha falado e disse que era melhor afastarmo-nos um pouco. Vem de lá o senhor Alfredo com um facalhão de trinchar vacas, com a mulher a agarrá-lo aos gritos e ele com ar de assassino a dizer "Vou-te cortar a barriga meu cabrão", dirigindo-se ao nosso mau polícia. Em relação a nós ele estava calmo. Era o Manuel que ele queria. Nós agarramos-lhe no braço e tentamos acalmar dizendo que com aquela atitude iria correr mal para o lado dele, que ninguém tinha vindo ali para aquilo.

- Se for preciso ir à polícia eu testemunho que ele vos tentou esfaquear - grita novamente um dos vizinhos, outro, não o mesmo, o que ainda reafirmou mais a ideia de estarmos perante boas pessoas.

As coisas acalmaram, tiramos-lhe a faca, demos à mulher para ela ir guardar, e o velho começou a quebrar. A chorar, a tremer de nervos e finalmente a começar a admitir que se tinha excedido. Não chegou a admitir tudo e a pedir desculpa, mas já era suficiente para nós. Mesmo antes de virmos embora a velha agarra-me no braço e diz-me sussurrando "Borrei-me toda!". Eu pensei que era um borrar metafórico, mas não, era mesmo um borrar de quem tinha feito coco pelas pernas abaixo com a emoção. Não pude deixar de me rir e de sentir que já tinham pago pelo que tinham feito. Nem nos nossos sonhos mais ambiciosos pensámos conseguir tal vitória.

Chamámos a polícia, vieram rápido, falaram connosco e foram esclarecer o assunto com eles, com os vizinhos a chamarem-lhes nomes pelo caminho. Perguntaram se queríamos apresentar queixa, que os vizinhos tinham testemunhado que ele nos ameaçou com uma faca. Dissemos que não. Não nos perguntaram como tínhamos dado com a casa do senhor, sabiam que a resposta não ia ser a verdade, disseram-nos só "Epá chegámos lá e a senhora estava na casa de banho a limpar-se! Estava toda cagada pelas pernas a baixo! Não voltem lá, ok?". Nós acedemos e dissemos que não. A nossa missão estava cumprida.

O Alfredo Manivelas não voltaria tão cedo a agredir alguém, muito menos uma mulher. Foi merecido, apesar de não deixarmos de ter pena do homem, porque se calhar até foi mais culpa da esposa que lhe fez a cabeça ao pensar que a tentaram atropelar. Ainda assim nada o desculpa. Correu bem, mas podia ter corrido mal. Podíamos ter levado um tiro, uma facada, ou termo-nos exaltado ao ponto de responder na mesma moeda ao senhor. Mas não o fizemos e é isso que fica para a história. Isso e termos feito uma velha fazer um número 2 pelas pernas abaixo, embora não seja coisa que se ponha no CV.

Acabo como terminei. Respeito as pessoas que merecem e não gosto do pré-conceito de que devemos respeitar os mais velhos. Devemos respeitar toda a gente até que provem o contrário, e o Alfredo provou. Fez-lhe mal à digestão essa prova mas foi a mulher que ficou mal do intestino.




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