31 de março de 2015

O dia em que descobri uma espécie nova: o Bicho



Esta história é 100% real e a descoberta remonta ao ano de 1996, tinha eu 12 anos, no início da minha adolescência. Não, a espécie nova apelidada de "Bicho" não é uma metáfora para o meu órgão, não sejam ordinários. Vamos começar pelo início e já lá chegamos. Era uma tarde de fim de Verão, quente e húmida mas com uma leve brisa vinda da serra, que acariciava o rosto. Estava a passar férias na Guarda, terra dos meus avós maternos e, como sempre, o que eu mais gostava era de ir à aventura e descoberta com os meus primos mais velhos, cujas idades eram de 17 e 19. A meio da tarde lá fomos nós, os três de bicicleta em direcção ao infinito. O infinito era um salão de jogos na cidade, onde eu devido ao facto de desde novo ser muito bem relacionado, mesmo menor podia entrar e jogar até nas máquinas em que as meninas se despiam a cada par de cartas encontrado. Já se percebe porque é que fiquei assim, más influências dos meus primos. Depois de jogarmos uma hora, talvez, pedalámos em direcção ao pôr do sol. Pôr do sol era outro salão jogos também bastante jeitoso. Bem, finalmente fomos apanhar ar fresco, pedalando por entre trilhos e povoações já bastante afastadas do centro da cidade. Era costume ir com eles explorar os arredores, a serra, subir aos barrocos e comer azedas.

Também gostávamos de estar em casa a jogar computador, mas sempre que podíamos íamos para o mundo real, embora esse fosse por vezes assustador...

Eu sempre adorei cães, mas tinha algum (muito) receio que no meio daquelas casas e vivendas algum saltasse o muro e viesse ferrar dente no gajo mais lento pelotão, que claramente era eu, por ser mais novo mas também por ter uma barriga generosa, conquistada às custas de muita Cerelac que eu comia sempre com a consistência que até daria para assentar tijolos. Lembro-me que estava presente uma história que tinha dado nas notícias, de um pastor alemão que tinha saltado um muro e trincado a xixa de uma senhora por lá passava, incauta e metida na sua vida. Quando digo pastor alemão estou a falar da raça canídea e não de um senhor de origem alemã que cuida de gado e que mordeu a senhora. Isso era ainda mais assustador, é um facto.

Bem, voltando a esse dia, já estávamos a andar há algum tempo e o sol já estava na linha do horizonte. A claridade estava a diminuir e o medo de ficar algures no meio do mato depois de escurecer também era algum. Há 20 anos dizia-se que ainda havia lobos por ali e esse era outro dos pensamentos sempre presentes, talvez fosse só na minha cabeça e a história lobos não passasse de treta dos meus primos para me assustarem. Lá íamos pedalando e embora os meus primos dissessem que não estávamos perdidos, eu percebi que eles estavam a mentir quando parámos numa pequena povoação para perguntar indicações. Parecendo que não, eu era uma criança muito perspicaz. Vimos 3 ou 4 vivendas e eles perguntaram o caminho a uma senhora que estava à porta da sua casa. A senhora indicou-nos o caminho amavelmente, nós agradecemos e montámo-nos novamente nas bicicletas. Pedalámos 2 ou 3 segundos quando, à nossa frente se levantam duas cabeças grandonas de dois cães de grande porte, talvez Serras da Estrela e começam a avançar na nossa direcção. A senhora sussurra um "Tenham cuidado com os cães..." e nós desmontámos, damos meia volta devagarinho e começámos à andar ainda mais pausadamente com as bicicletas pelas mãos. Andámos uns 20 metros e os meus primos acharam que já era boa ideia voltar a pedalar. Erro crasso. Mal eles começam, os cães respondem a ladrar e a correr na nossa direcção a alta velocidade. Eu ainda me tento montar na bicicleta, mas todo descoordenado com o pânico não consigo. Mando-a para o chão e começo a correr, soltando o Obikwelu badocha que há em mim. Nem reparo que os meus primos já se tinham escondido atrás de uma árvore e vou disparado sempre em frente quando um deles me deita a mão e me puxa por um braço. Nisto vejo que um dos meus primos tem um tronco de árvore numa mão e o outro tem o canivete suiço aberto, mas que em vez da faca, serrote ou tesoura era na parte do garfo, pronto a vazar uma vista a um dos cães que, ao verem isso quedam-se e continuam a rosnar mas sem chegar perto, num impasse digno de um western das beiras. A senhora que nos mandou ter cuidado com os cães chama-os "Andai para casa já!" e eles recolhem, dando a entender que era a dona. Dona essa que nos tinha avisado para termos cuidado com os cães, embora nos tenha mandado ir por aquele caminho em que demos de cara com eles, não os tendo chamado mais cedo. Só para os meninos da cidade aprenderem o que custa a vida, digo eu.

Recuperados do susto começamos a andar, fazendo o caminho de volta, que embora sabendo que era mais longo tínhamos (quase) a certeza que nos levaria a casa. Vamos com as bicicletas pela mão, que as pernas ainda continuavam a tremer e nisto, de repente, dá-se o avistamento. "Páaaara!", grito eu ao ver que a roda da bicicleta de um dos meus primos estava a centímetros de esmagar um ser que eu nunca tinha visto! Ficámos parados, estupefactos e hipnotizados por aquela criatura saída de um filme de terror. Era uma espécie de chouriço verde, com dois olhos espalmados vermelhos, quatro patas e um ferrão preto a arrastar pelo chão. Um ferrão de fazer inveja a qualquer outro bicho possuidor de ferrão. Um senhor badalo que se este bicho fosse actor seria o Ron Jeremy da pornografia para insectos. Alías, insecto não era porque só tinha quatro patas e, se não sabem ficam a saber, um insecto tem sempre seis. Eu já na altura sabia isso, o que tornou aquele ser ainda mais misterioso.

Tinha aquelas cores berrantes de quem está, ou a pausar SWAG ou é lixado para andar à porrada.

Fica aqui uma ilustração fidedigna para terem uma ideia.

Devia ter uns 10 centímetros de altura, encorpado qual tanque de guerra pronto a atacar. Um dos meus primos agarrou numa pedra e queria deixá-la cair-lhe em cima, mas nós impedimos! Não por compaixão pelo Bicho, mas sim porque se falhasse ele tinha ar de quem era menino para saltar uns bons dois metros e aterrar com o ferrão em algum de nós. Dizem que é com os calminhos que é preciso ter cuidado e o Bicho estava demasiado calmo para quem tinha medo de nós. Estava ali a fazer peitaça, confiante e firme como só o Chuck Norris da bicharada seria capaz. Não havia telemóveis para tirar fotos na altura, então ficámos ali a observar de longe, a tentar perceber os detalhes para mais tarde nos lembrarmos. Fomos embora, sempre a olhar para trás, mas do Bicho nem um sinal de movimento. Virámos à direita, andámos uns 50 metros e vimos que nos tínhamos enganado e que afinal o caminho era à esquerda. Recuámos e ao passarmos pelo local onde avistáramos o Bicho, nada. Já não estava lá mas ficou para sempre na nossa memória. Toda a gente a quem contámos esta história ficou a olhar para nós com uma cara de quem estava desconfiado que tínhamos estado a fumar ou a beber.

No tempo dos três pastorinhos acreditaram que eles viram Nossa Senhora, connosco duvidaram que víssemos algo muito mais plausível.

O que é certo é que vimos, até podia ser um brinquedo perdido, já que não o vimos a mexer, mas o que é certo é que ele estava lá. Eu há uns anos enviei este desenho para vários fóruns e sites da especialidade que identificam tipos de espécies estranhas. Ninguém soube categorizar o Bicho. O Bicho era talvez o último da sua espécie, que por ali andava perdido, sozinho e sem ninguém que lhe desse amor. Devia ter deixado o meu primo esmagá-lo com a pedra e acabar-lhe com a solidão.

Algum especialista em bicheza que saiba finalmente identificar o Bicho? Ou permanecerá para sempre um mistério?




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