7 de abril de 2014

Vamos sorrir mais



Ter cancro no pulmão sem nunca ter fumado é como usar uma tshirt do Rock in Rio sem nunca lá ter ido. O cancro é talvez o único tema com que não gosto de fazer humor. Não que não ache que não se deva fazer, porque acho que se pode brincar com tudo, mas porque ainda não consegui descobrir o humor nele. Na SIDA por exemplo já, uma doença que se pode apanhar pela pila tem logo uma boa premissa para se fazer graçolas. Mas no cancro ainda não lhe consegui achar o riso. Por isso mesmo, hoje não vos vou tentar fazer rir. Mas se conseguirmos dar valor ao que realmente interessa, talvez consigamos sorrir mais.

O cancro é a doença mais justa e injusta de todas. Justa porque afecta todos os estratos sociais, todas as raças, todos os credos, boas e más pessoas, crianças e velhos. Injusta porque normalmente não se tem culpa. O Manuel Forjaz é um desses casos. Nunca fumou, tinha um estilo de vida saudável e foi-se com cancro no pulmão. O Manuel Forjaz é hoje o rosto mais conhecido do cancro. Haverá quem o aclame como herói, haverá quem critique a forma como ele se expôs, e haverá até quem diga que o fez só por dinheiro. Não sei nem me interessa. O que me interessa é que ele foi a cara dos heróis que todos nós vamos tendo sem querer na nossa vida. Já António Lobo Antunes escreveu "O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis". É pena que seja na doença e na desgraça que as pessoas se agigantam, ou que nos apercebemos da sua grandeza, mas é assim mesmo a morte. A morte tem o poder de exaltar as qualidades e abafar os defeitos. A morte tem o poder de nos fazer falta quem nunca tivemos saudades.

Dizem os estudos que daqui a 10 anos uma em cada duas pessoas vai ter cancro. Vamos ter 5 milhões de heróis em Portugal. Ou eu ou tu, que estás a ler isto, seremos um desses. E isso é bom. Precisamos de quem nos inspire e nos faça valorizar o que nos esquecemos que merece valor. Como o sorriso. O nosso e o dos outros. Precisamos de mais pessoas que dêem valor ao que importa. De mais pessoas que tenham tido a morte a acenar-lhes à janela para que olhem para dentro e vejam onde está a real felicidade. Mas também é bom porque significa maior investimento na busca de novas curas e tratamentos. É sinal que as farmacêuticas vão encher os bolsos e por isso vão investir mais. É triste mas é assim. Quando se tem uma doença daquelas que só mais 10 pessoas têm no mundo está-se fodido. Não rende a cura. Por isso quanto mais o cancro estiver presente melhor. Mais rápida passa a ser uma doença crónica. Sim porque curar ou prevenir não me parece que seja do interesse de empresas que querem é facturar com a falta de saúde dos outros. O negócio da doença é melhor que o negócio da cura.

Ter cancro é morrer mal. Imagino que seja receber a notícia e ter que a contar sem quebrar. Ter que guardar as dores físicas e psicológicas para nós. Ter que servir de apoio quando estamos em desequilíbrio. É, como dizia o Forjaz, uma grande "chatice". Fica-se sem tempo, com dores, e com o dinheiro empenhado numa loja de penhores que pode falir a qualquer momento. É ver-se alguém a definhar, nem que seja ao espelho. Nunca perdi ninguém devido ao cancro, pelo menos ninguém próximo. Mas tenho amigos que já perderam família para a doença e tenho uma admiração profunda por eles. Por terem perdido aqueles que se tornaram nos seus heróis, e por aos meus olhos se terem transformado neles quando ficaram cá sozinhos e souberam voltar a sorrir.

Não sou pelas homenagens que 99% são para chamar à atenção. Não o conhecia e por isso a sua morte é apenas mais uma para mim. Não vai estar nas minhas orações porque rezar é disparate. Mas fica a minha homenagem a todos os que lutaram e perderam, e principalmente a homenagem aos meus amigos que têm o seu herói, não no céu, mas no coração. E que esse herói, com o passar do tempo, os faça sorrir com o que de bom deixaram com eles. Porque precisamos mesmo de sorrir mais. Precisamos de relativizar as coisas. Quando ouvimos dizer "Desde que tenha saúde é o mais importante", não devia ser da boca para fora. Como disse o António Feio, "Não deixem nada por dizer", mesmo as coisas más. Mandem para o caralho quem merece, não percam tempo com pessoas mesquinhas e agarrem com força aqueles que vos aquecem o coração e vos fazem sorrir. Abracem-nos num laço apertado, porque um dia, um deles há-de ir cedo demais.




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